As Testemunhas de Jeová e a promessa de não envelhecer neste sistema de coisas

Introdução
Durante décadas, as publicações da Torre de Vigia alimentaram a expectativa de que os fiéis jamais envelheceriam nem morreriam neste sistema. Jovens foram desencorajados a estudar, famílias deixaram de planejar o futuro e muitos acreditaram de coração que o Armagedom viria antes que a velhice os alcançasse.
Mas o tempo passou. A geração de 1914 envelheceu, muitos morreram, e a organização precisou ajustar seu discurso. Este artigo traz uma linha do tempo detalhada dessas mudanças, com referências das próprias publicações, para que cada leitor possa refletir: o que isso revela sobre a confiabilidade dessa liderança?

Anos 1950–1975: A promessa implícita de não envelhecer
“Os jovens que agora servem a Jeová podem esperar viver para ver o novo mundo sem precisar envelhecer neste sistema.”
— A Sentinela, 1/9/1952, p. 543 (inglês)
Ponto-chave
Nessa fase, a retórica era clara: a geração que testemunhou 1914 veria o Armagedom. Assim, quem era jovem nos anos 1950–60 acreditava que não envelheceria.
- A Sentinela, 15/8/1969, p. 494 (português): “Se você está na escola secundária e pensa em cursar a universidade, isso significa vários anos antes de se formar… Mas quanto falta realmente antes do fim deste sistema? O tempo que resta é reduzido.”
- A Sentinela, 15/10/1969 (inglês): “É duvidoso que alguém que entre agora na escola secundária termine seus estudos neste sistema de coisas.”
📌 Impacto: milhares de jovens foram desencorajados a estudar, pois esperava-se que o Armagedom viesse antes que envelhecessem.
- Livro “Vida Eterna na Liberdade dos Filhos de Deus” (1968, português): relacionava diretamente 1975 ao possível início do milênio, reforçando que quem estava vivo não envelheceria neste mundo.
1975: A frustração do fim que não veio
- A Sentinela, 15/3/1976, p. 166 (inglês): “Pode-se ter havido a tendência de antecipar mais do que o apropriado… Alguns irmãos criaram falsas expectativas.”
Ponto-chave
A organização não assumiu responsabilidade, transferindo a culpa para os membros. Mas o discurso mudou: a linguagem sobre não envelhecer desaparece, e surge um tom mais cauteloso.
1976–1989: O prolongamento da geração
Mesmo sem falar mais em 1975, a Torre de Vigia continuou insistindo na geração de 1914.
- A Sentinela, 15/10/1978, p. 31 (inglês): “A geração que viu o começo dos ‘últimos dias’ em 1914 ainda viverá para ver o fim.”
📌 Leitura implícita: se a geração de 1914 ainda veria o fim, quem pertencia a ela não envelheceria até a morte.
- Livro “Sobrevivência e Você” (1984): continuava a afirmar que o Armagedom estava muito próximo.
Na prática, a organização manteve a expectativa, mas sem repetir frases explícitas sobre não envelhecer.
1990–1995: O silêncio incômodo e a redefinição
À medida que os anos avançavam, a geração de 1914 estava visivelmente envelhecendo. A Torre de Vigia precisava resolver a contradição.
- A Sentinela, 1/11/1995: Redefiniu “geração” não como pessoas vivas desde 1914, mas como “as pessoas más que vivem durante os últimos dias”.
📌 Consequência: a promessa de que “você não envelhecerá” ruiu. A maioria dos que acreditavam nisso já havia envelhecido ou morrido.
2008–2010: A invenção da geração sobreposta
- A Sentinela, 15/4/2010: “A expressão ‘geração’ refere-se a dois grupos de ungidos… Os do segundo grupo se sobrepõem aos do primeiro.”
📌 Tradução prática: um conceito elástico, que pode se prolongar indefinidamente. A promessa de não envelhecer foi abandonada, substituída por um discurso que mantém viva a esperança sem prazos definidos.
Análise crítica
- Promessa não cumprida:
Milhares de jovens acreditaram que não envelheceriam — e hoje muitos já são idosos. - Mudança sem admitir erro:
A organização sempre se isenta de culpa, transferindo a responsabilidade para os membros que “interpretaram errado”. - Controle psicológico:
O discurso de “o tempo é reduzido” serviu para controlar decisões de vida (educação, carreira, família), com consequências irreversíveis. - Reinterpretações sucessivas:
A cada vez que o tempo expunha a falha, a Torre de Vigia reinventava a explicação:- Geração literal de 1914 → falhou.
- Geração “maligna” genérica (1995) → perdeu impacto.
- Geração “sobreposta” (2010) → elástica, sem prazo final.
Conclusão
As publicações da Torre de Vigia já disseram, sim, que os fiéis não envelheceriam neste sistema de coisas — mesmo que de forma indireta e sugestiva. A história mostra como esse discurso mudou após o fracasso de 1975 e a morte da geração de 1914.
📌 Pergunta ao leitor:
Se uma organização que se diz “porta-voz de Deus” errou tão gravemente em algo tão básico, que garantia há de que suas atuais promessas não terão o mesmo destino?
Sugestões de leitura
- Raymond Franz — Crise de Consciência
- M. James Penton — Apocalipse Adiado
- Carl Olof Jonsson — Os Tempos dos Gentios Reconsiderados
- Artigos acadêmicos sobre milenarismo e controle de grupos religiosos