🪨 Quem Roubou o Corpo de Jesus? As Contradições do Relato dos Guardas no Túmulo

🪨 Quem Roubou o Corpo de Jesus? As Contradições do Relato dos Guardas no Túmulo

📜 O Relato Exclusivo de Mateus

Entre os quatro evangelhos, somente Mateus (27:62–66; 28:11–15) menciona guardas postados no túmulo de Jesus. Segundo ele, os líderes religiosos pediram a Pilatos uma escolta para impedir que os discípulos roubassem o corpo e alegassem uma “ressurreição”. O texto afirma:

“Senhor, lembramo-nos de que aquele enganador, ainda vivo, disse: Depois de três dias serei levantado. Ordena, pois, que o sepulcro seja guardado até o terceiro dia…” (Mateus 27:63–64)

O curioso é que nenhum outro evangelho menciona guardas, nem antes nem depois da ressurreição. Essa ausência levanta sérias questões sobre a autenticidade e a intenção apologética desse trecho.


⚔️ O Silêncio dos Outros Evangelhos

Vamos comparar o que cada evangelista relata sobre o túmulo:

EvangelhoGuardasQuem remove a pedraQuem está presenteAparição de anjo(s)Reação das mulheres
Mateus 27:62–66; 28:1–10Sim, soldados romanos guardam o túmuloUm anjo desce e rola a pedra diante delasMaria Madalena e “a outra Maria”Um anjo brilhante, como relâmpagoElas o veem, o anjo fala, e depois encontram Jesus
Marcos 16:1–8❌ Nenhum guardaA pedra já está removida quando chegamMaria Madalena, Maria mãe de Tiago e SaloméUm jovem vestido de branco já está dentro do túmuloElas fogem assustadas e não contam nada a ninguém
Lucas 24:1–12❌ Nenhum guardaA pedra já estava removidaUm grupo de mulheres (várias)Dois homens em vestes resplandecentesElas contam aos discípulos, mas ninguém acredita
João 20:1–18❌ Nenhum guardaA pedra já estava removidaMaria Madalena sozinha (depois Pedro e João)Dois anjos aparecem dentro do túmulo (em momentos diferentes)Maria encontra Jesus em pessoa, mas não o reconhece de imediato

🔍 Divergências Claras e Irreconciliáveis

  • A presença dos guardas:
    • Exclusiva de Mateus.
    • Nenhum outro evangelista menciona vigilância romana ou sacerdotal.
    • Se guardas realmente estivessem ali, seria impossível os outros evangelistas ignorarem esse detalhe dramático.
  • Quem remove a pedra:
    • Em Mateus, o anjo a remove diante das mulheres.
    • Nos outros, a pedra já está removida quando elas chegam.
  • Quem testemunha o evento:
    • Mateus reduz o grupo a duas mulheres.
    • Marcos e Lucas ampliam para várias.
    • João coloca apenas Maria Madalena no início.
  • Aparência dos mensageiros celestes:
    • Mateus fala de um anjo reluzente.Marcos: um jovem vestido de branco.Lucas: dois homens. João: dois anjos, vistos por Maria.
    Essas variações mostram que cada autor ajustou o relato segundo sua teologia e público-alvo.

A torre de vigia ilustras essas diferentes versões conflitantes pois as diferenças são inegáveis:

Somente três mulheres… sem guardas sem anjo rolando a pedra e o tumulo já aberto…
sem guardas sem anjos só uma mulher…. versão segundo João.
versão de mateus com os guardas mas sem mostrar as mulheres ou (uma mulher segundo João) mas no texto elas presenciaram a cena do anjo da pedra e dos guardas…

🧩 O Objetivo Teológico de Mateus

O trecho sobre os guardas tem todas as características de uma adição tardia apologética — uma tentativa de responder a uma polêmica já existente entre os judeus e os primeiros cristãos.

Mateus 28:11–15 confirma isso:

“Alguns dos guardas foram à cidade e contaram aos principais sacerdotes tudo o que havia acontecido […] e espalharam este rumor entre os judeus até o dia de hoje.

Essa expressão — “até o dia de hoje” — indica que a comunidade de Mateus já enfrentava a acusação judaica de que o corpo de Jesus havia sido roubado. O autor, portanto, cria uma narrativa que antecipa e neutraliza essa crítica.


🏺 E Quanto à Evidência Externa?

Nenhum documento extra-bíblico, judaico ou romano confirma a presença de guardas no túmulo.
O Talmude babilônico (séculos III–V) apenas menciona, de forma vaga e posterior, que os discípulos roubaram o corpo, sem fazer alusão a vigilância ou intervenção romana.

Arqueologia:
Não há registro arqueológico, inscrição ou menção contemporânea sobre guardas ou sobre a tumba vazia. Os túmulos judaicos do século I eram comuns e selados por pedras circulares — nada do que é descrito em Mateus requer um milagre literal, mas o relato da guarda é isolado e literariamente artificial.


🧠 Conclusão: Um Relato Fabricado para Defender a Fé

A narrativa dos guardas parece ter sido inventada ou elaborada tardiamente por Mateus para contrapor uma acusação judaica real: a de que o corpo de Jesus foi retirado pelos discípulos.
Assim, o episódio cumpre uma função polemizadora, não histórica.

Em resumo:

  • Nenhum outro evangelho menciona guardas.
  • As descrições da pedra, dos anjos e das mulheres são contraditórias.
  • O objetivo de Mateus é claramente defensivo, não factual.
  • Não há base arqueológica nem textual fora da Bíblia que sustente o episódio.

📚 Sugestões de Leitura

  • Raymond E. Brown, The Death of the Messiah, vol. 2 (Doubleday, 1994).
  • Bart D. Ehrman, How Jesus Became God (HarperOne, 2014).
  • John Dominic Crossan, Who Killed Jesus? (HarperOne, 1996).
  • Paula Fredriksen, From Jesus to Christ (Yale University Press, 2000).

💬 Reflexão Final

O “milagre” dos guardas pode não ser o da ressurreição, mas o da sobrevivência de uma história inventada — criada para sustentar uma crença, não para narrar um fato.

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