⚔️ Quem Matou Golias? A Contradição que Derruba a Harmonia Bíblica

⚔️ Quem Matou Golias? A Contradição que Derruba a Harmonia Bíblica

📜 Um herói, um gigante… e dois assassinos?

A história é épica e inspiradora: um jovem pastor chamado Davi enfrenta o gigante Golias com apenas uma funda e uma pedra. O filisteu cai, e o povo de Israel celebra a vitória improvável de seu futuro rei. Mas… um detalhe chama atenção dos leitores mais atentos da Bíblia: em outro trecho, é dito que quem matou Golias foi El-Hanã.

Você não leu errado. A Bíblia apresenta duas versões diferentes do mesmo evento. E a tentativa das Testemunhas de Jeová de explicar essa contradição, longe de resolver o problema, apenas evidencia o esforço desesperado de manter intacta uma noção de inerrância bíblica que não se sustenta.


📖 Os dois textos em conflito

✅ 1 Samuel 17:50 – (Tradução do Novo Mundo)

“Assim Davi derrotou o filisteu com uma funda e uma pedra; ele feriu o filisteu e o matou…”

Davi, sem dúvida. Até que…

❌ 2 Samuel 21:19 – (Tradução do Novo Mundo)

“Houve mais uma batalha contra os filisteus em Gobe; e El-Hanã, filho de Jaare-Oregim, o belemita, matou Golias, o geteu…”

Agora é El-Hanã quem mata Golias.

🔄 1 Crônicas 20:5 – (Tradução do Novo Mundo)

“El-Hanã, filho de Jair, matou o irmão de Golias, o geteu…”

Aqui, o texto tenta preservar a glória de Davi. Mas… quem está dizendo a verdade?


🛡️ A Defesa da Torre de Vigia

No verbete “El-Hanã” do Estudo Perspicaz das Escrituras, a Torre de Vigia oferece a seguinte explicação:

“2Sa 21:19 talvez contenha uma distorção textual, visto que o texto hebraico agora disponível omite palavras como ‘irmão de’ que aparecem no relato paralelo de 1Cr 20:5. É possível que, em certa época, copistas tenham omitido acidentalmente essas palavras. […] Muitos estudiosos concordam que o texto de 2Sa 21:19 é defeituoso […] e que El-Hanã não matou Golias, e sim o irmão dele.”

Eles concluem que:

  • O texto de 2 Samuel sofreu um erro de copista.
  • O relato correto estaria em 1 Crônicas.
  • El-Hanã matou o irmão de Golias, e não o próprio.

Mas será que isso faz sentido?


❌ Por que a explicação da Torre de Vigia é insustentável

📜 Nenhum manuscrito antigo traz “irmão de”

Todos os manuscritos hebraicos mais antigos — incluindo o Texto Massorético e os Manuscritos do Mar Morto (como 4QSam) — dizem que El-Hanã matou Golias, não o irmão dele. A teoria de que “duas palavrinhas” foram acidentalmente omitidas é uma suposição sem base documental.

Essa é uma típica harmonização artificial feita por quem já parte da premissa de que a Bíblia não pode se contradizer.


🕰️ Crônicas é uma obra revisionista tardia

O livro de Crônicas foi escrito muito depois dos livros de Samuel — em pleno período pós-exílico. O autor de Crônicas reescreveu histórias antigas para enaltecer a casa de Davi e proteger sua imagem. Essa reinterpretação aparece em várias passagens:

  • Troca o nome “Golias” por “irmão de Golias”.
  • Apaga falhas de personagens como Salomão e Davi.
  • Remove relatos embaraçosos, como a história de Batseba.

📚 O consenso acadêmico é que Crônicas editou e harmonizou o que parecia incoerente — e não o contrário.


🎭 “Estudiosos concordam”? Nem todos.

A Torre afirma que “muitos estudiosos” concordam que 2 Samuel 21:19 está corrompido. Isso é meia verdade. O que os estudiosos realmente dizem é que:

  • O texto de 2 Samuel é problemático, sim.
  • Mas não há evidência de que ele esteja corrompido.
  • É mais plausível que existiam duas tradições concorrentes: uma onde Davi matou Golias, outra onde El-Hanã o fez.

📘 Como mostra Richard Elliott Friedman (The Bible With Sources Revealed), essas duplicações são comuns na Bíblia — reflexo da junção de documentos diferentes, como as tradições javista, eloísta e deuteronomista.


🧠 A explicação é doutrinária, não textual

A Torre de Vigia acredita que a Bíblia é perfeita e sem contradições, então qualquer divergência tem que ser um erro de copista. Isso é teologia disfarçada de análise textual.

Uma crítica honesta parte dos dados disponíveis, e não de um dogma pré-estabelecido. Nesse caso, os dados são claros: há uma contradição real.


📌 Conclusão: não é erro de copista — é conflito de tradições

O relato de El-Hanã é um dos muitos casos em que a Bíblia preserva tradições divergentes e até contraditórias. E isso é natural num livro compilado por séculos, com múltiplas fontes e objetivos políticos e teológicos distintos.

A tentativa das Testemunhas de Jeová de harmonizar esse conflito é forçada, infundada e doutrinariamente motivada. Longe de esclarecer, ela apenas expõe a fragilidade de sua visão sobre a Bíblia.


📚 Para se aprofundar


Para Saber mais…

🧩 Alegações da Torre de Vigia: análise ponto a ponto

🏛️ “Golias pode ter sido um título descritivo, como ‘Faraó’ ou ‘Rabsaqué’”

Essa ideia é completamente especulativa e não tem qualquer apoio filológico ou arqueológico sério. Vamos aos fatos:

  • O nome Golias (Golyat / גָּלְיָת) aparece na Bíblia como um nome próprio, e não como título. Nunca é usado de forma genérica para outros guerreiros filisteus.
  • Títulos como “Faraó” ou “Rabsaqué” são facilmente identificáveis no hebraico por estarem associados à função ou posição (rei do Egito, oficial de guerra da Assíria, etc.). Golias, por outro lado, é retratado como um único indivíduo, com árvore genealógica e descrição pessoal (1Sm 17:4-7).
  • Nenhum texto extrabíblico ou arqueológico conhecido (inscrições filisteias, assírias ou egípcias) usa “Golias” como título.

Veredito: ❌ Falsa equivalência. A comparação com “Faraó” é pura conjectura sem base textual nem extrabíblica. É mais um artifício retórico da Torre de Vigia para suavizar a contradição.


📜 Diferença entre “Jaare-Oregim” (2Sm 21:19) e “Jair” (1Cr 20:5)

Esse argumento até possui alguma plausibilidade técnica, pois variações de nomes são comuns entre os livros de Samuel/Reis e Crônicas. Exemplo:

  • “Abias” em Reis (1Rs 15:1) e “Abiasias” em Crônicas (2Cr 13:1).
  • “Asaías” em Reis e “Maaséias” em Crônicas.

No entanto, a diferença não afeta o cerne da contradição, que é quem matou Golias. Mesmo que o pai de El-Hanã tivesse nomes diferentes em fontes distintas (erro ou variação legítima), isso não resolve o fato de que um texto diz que Golias foi morto por Davi, e outro diz que foi por El-Hanã.

Veredito: ⚠️ Possível variação nominal legítima, mas irrelevante para a contradição principal.


🏙️ “Belemita” em 2 Samuel, e “Lami” em 1 Crônicas

Este ponto foca nos termos:

  • בֵּית הַלַּחְמִי (beit hallachmí) = “belemita” (alguém de Belém)
  • אֵת לַחְמִי (ʼeth-Lachmí) = “Lami” (nome próprio)

Os termos são parecidos graficamente, e alguns estudiosos sugerem que um erro de copista pode ter transformado “belemita” em “Lami”, ou vice-versa.

Contudo, aqui também vale dizer:

  • Não há nenhuma evidência manuscrita concreta que sustente esse suposto erro. É apenas uma hipótese moderna, não uma constatação arqueológica.
  • O Texto Massorético de 2Sm 21:19 está completo e coerente, sem lacunas. O versículo realmente diz que El-Hanã matou Golias.
  • Já o texto de 1Cr 20:5 traz outra construção — não um simples erro de cópia, mas uma reescrita editorial teológica, o que é típico do cronista.

Veredito: ⚠️ Pode ser erro de copista? Talvez. Mas muito mais provável é que Crônicas reescreveu deliberadamente o relato de 2 Samuel, suprimindo o escândalo teológico de alguém além de Davi matar Golias.


🧠 Conclusão crítica

O que a Torre de Vigia tenta fazer é um exercício clássico de “damage control” doutrinário:

  • Cria hipóteses frágeis e sem base documental (como Golias ser um título).
  • Aponta para possíveis erros de copistas onde não há manuscritos divergentes.
  • Usa linguagem vaga (“talvez”, “possivelmente”, “alguns estudiosos sugerem”) como se fossem certezas.

Tudo isso para salvar a ideia de que não pode haver contradições na Bíblia, pois isso minaria sua autoridade divina — e por tabela, a autoridade da própria Torre de Vigia.

📌 A verdade textual é mais simples e mais desconfortável: havia duas tradições distintas sobre quem matou Golias. A mais antiga provavelmente dizia que foi El-Hanã. Depois, a versão atribuída a Davi se tornou a mais popular — e Crônicas editou o relato para garantir isso.

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