🐘 Monstros Mitológicos do Velho Testamento — Capítulo 2: Beemote, a Besta Primordial de Deus

Introdução: Quem (ou o que) é o Beemote?
No livro de Jó 40:15-24, logo antes da descrição do Leviatã, Deus apresenta outra criatura fantástica: o Beemote. Ele é descrito como um animal colossal, herbívoro, de força inigualável, que bebe o rio inteiro sem se abalar. A descrição culmina com a declaração:
“Ele é o princípio das obras de Deus; Aquele que o fez deu-lhe a sua espada.” (Jó 40:19, TNM)
Quem é essa criatura? Um hipopótamo? Um elefante? Um dinossauro? Ou algo bem mais antigo — e mitológico?
A visão das Testemunhas de Jeová sobre o Beemote
As Testemunhas de Jeová tendem a interpretar o Beemote literalmente, como um animal real, geralmente o hipopótamo, com base em algumas características físicas do texto bíblico.
Exemplos de publicações:
- “Estudo Perspicaz das Escrituras”, Vol. 1, pág. 298: “Beemote: Provavelmente o hipopótamo. […] A descrição feita em Jó 40:15-24 corresponde bem ao hipopótamo, especialmente quanto à força, à cauda curta e grossa, e ao hábito de viver em pântanos.”
- Despertai! 8 de abril de 1998, pág. 24: “Deus menciona o Beemote, que provavelmente é o hipopótamo, para mostrar a Jó que mesmo os animais mais fortes estão sob seu controle.”
- A Sentinela, 1º de novembro de 2003, pág. 12: “Beemote e Leviatã são exemplos de criaturas poderosas, mas controladas por Deus. O Beemote pode referir-se ao hipopótamo, animal imenso que vive perto da água.”
Problemas com essa interpretação:
- O texto fala que a cauda do Beemote se move como um cedro — o que definitivamente não descreve um hipopótamo (que tem cauda curta e fina).
- Beemote é apresentado como o “princípio das obras de Deus”, o que sugere um status mitológico ou simbólico.
- A comparação com o Leviatã, logo em seguida, sugere que Beemote não é menos mítico que seu “irmão aquático”.
A origem mitológica e histórica do Beemote
A palavra “Beemote” (em hebraico: bəhēmōṯ) é o plural intensivo de behemah (“animal”, “fera”), mas usada aqui para indicar uma super-besta. A menção única do Beemote, no contexto altamente poético e cósmico de Jó, aponta para um ser mitológico, não zoológico.
Possíveis origens:
- Tradições mesopotâmicas mencionam criaturas terrestres colossais, como Bisontes Cósmicos e demônios da terra que personificavam a força bruta da natureza.
- Em textos apócrifos e pseudepígrafos judaicos (como 1 Enoque e Apocalipse de Abraão), Beemote é descrito como o guardião das terras (enquanto Leviatã reina nas águas).
- Livro etíope de Enoque (1 Enoque 60:7-9): “Naquele dia, dois monstros serão separados: um monstro feminino, chamado Leviatã, habitará as profundezas do mar, e o monstro masculino, chamado Beemote, ocupará o deserto chamado Dendain.”
Contra-argumentos lógicos e científicos
A cauda como um cedro
Jó 40:17 (TNM) diz:
“Ele move a cauda como um cedro…”
Isso não pode descrever um hipopótamo nem um elefante. O cedro é uma árvore maciça, e nenhuma dessas criaturas possui cauda sequer parecida com isso. Essa imagem é simbólica de algo mitológico ou extinto, e não literal.
Beemote não é um animal conhecido
Não há evidência zoológica de um animal real com as descrições dadas. A ideia de que poderia ser um dinossauro, como alguns criacionistas defendem, é completamente anticientífica e contradiz o registro fóssil (que mostra extinções há milhões de anos, muito antes da humanidade surgir).
A estrutura literária do texto
O livro de Jó apresenta um discurso teofânico de Deus com imagens hiperbólicas e cósmicas. Tanto Leviatã quanto Beemote são usados como símbolos do poder incompreensível da criação, não como referências zoológicas. Forçar uma leitura literal ignora a poesia, simbolismo e o contexto mitológico do texto.
Conclusão: Beemote, a terra também tem seu monstro
Beemote é, na verdade, a personificação da força bruta da terra, assim como o Leviatã representa o caos das águas. O autor de Jó usa essas figuras para mostrar a Jó que o universo é muito mais vasto e misterioso do que sua lógica humana pode entender. Tentar reduzir Beemote a um hipopótamo é ignorar séculos de tradição mitológica que alimentaram a construção do texto bíblico.
Sugestão de leitura complementar
- Michael S. Heiser – The Unseen Realm
- Robert Alter – The Wisdom Books: Job, Proverbs, and Ecclesiastes