🐉 Monstros Mitológicos do Velho Testamento — Capítulo 1: Leviatã, o Dragão do Abismo

Introdução: O que é o Leviatã?
Na Bíblia, o Leviatã aparece como uma criatura colossal e caótica associada às águas profundas. Em Jó 41, ele é descrito como um monstro indomável, que cospe fogo, tem couraça impenetrável e aterroriza qualquer um que o enfrente. Em Salmo 74:14, é dito que Deus “esmagou as cabeças do Leviatã” e o deu por comida às criaturas do deserto. E em Isaías 27:1, ele é chamado de “serpente veloz” e “dragão do mar”.
Claramente, não estamos lidando com um crocodilo.

Leviatã
Como as Testemunhas de Jeová interpretam o Leviatã?
Nas publicações da Torre de Vigia, o Leviatã costuma ser interpretado de forma não mitológica, geralmente como:
- Um crocodilo do Nilo, simbolizando a força e o poder da criação de Deus;
- Ou uma representação simbólica das forças do caos ou das nações opressoras, como o Egito ou a Babilônia.
Exemplos de publicações:
- “Estudo Perspicaz das Escrituras”, Vol. 2, pág. 223: “O Leviatã pode ter sido o crocodilo. […] Sua descrição poética em Jó 41 mostra quão difícil é para o homem subjugar tal criatura.”
- Despertai! 8 de abril de 1998, pág. 24: “Embora se pense que o Leviatã era um crocodilo, a descrição vívida que Jó faz mostra como ele via a força e o temor inspirados pela criação.”
- A Sentinela, 1º de novembro de 2003, pág. 12: “O Leviatã representava o poder indomável do mar, algo que somente Deus podia controlar.”
Problemas com essa interpretação:
- A descrição do Leviatã em Jó 41 não bate com nenhum animal real. Crocodilos não cospem fogo, não têm couraça de escamas impenetráveis, nem produzem fumaça pelas narinas.
- A visão simbólica é uma forma de tentar adaptar um mito antigo à teologia monoteísta moderna, ignorando seu pano de fundo cultural original.
O que dizem os estudos arqueológicos e históricos?
Estudos comparativos mostram que o Leviatã é um reflexo direto de mitos cananeus e mesopotâmicos. Ele é o equivalente bíblico de monstros como:
- Lotan, o dragão de sete cabeças derrotado por Baal na mitologia cananeia.
- Tiamat, a deusa-dragão do caos vencida por Marduque na mitologia babilônica.
Evidências arqueológicas e textuais:
- Textos de Ugarit (século XIV a.C.) falam de Lotan, um dragão marinho que representa o caos, derrotado pelo deus da tempestade Baal-Hadad. Lotan = Leviatã.
- Os textos descrevem dragões com várias cabeças, combatidos por divindades ordeiras, o que bate perfeitamente com Salmo 74:14: “Tu esmagaste as cabeças do Leviatã.”
- A cosmovisão do Antigo Oriente via o mar como símbolo do caos, e os monstros marinhos eram inimigos dos deuses criadores.
Conclusão arqueológica: O autor de Jó e outros textos bíblicos está dialogando com mitos já antigos, adaptando-os à narrativa monoteísta israelita.
Contra-argumentos lógicos e científicos
Crocodilos não cospem fogo.
A descrição em Jó 41:18-21 é pura imaginação mítica:
“Da sua boca saem tochas; faíscas de fogo saltam dela. Do seu nariz sai fumaça…”
Nenhum animal conhecido produz fogo ou fumaça naturalmente. Isso é marca registrada de dragões mitológicos.
A natureza literária do texto de Jó.
O livro é poético, não literal ou científico. Ele usa imagens exageradas e simbólicas para falar sobre o poder divino e a impotência humana. Tomar literalmente um monstro que cospe fogo é ignorar o gênero literário.
A adaptação do mito.
A tentativa das Testemunhas de Jeová de tornar o Leviatã um simples crocodilo ignora o fato de que o mito do caos marinho é transcultural e bem documentado em civilizações vizinhas. A Bíblia apenas ressignificou essas imagens para seu próprio discurso teológico.
Conclusão: Um monstro de verdade… na imaginação
O Leviatã, longe de ser um animal literal ou um simples símbolo, é o resquício de um antigo mito do caos, incorporado à Bíblia num tempo em que os israelitas ainda estavam assimilando (ou combatendo) elementos da religião cananeia. As Tentativas da Torre de Vigia de rebaixá-lo a um mero crocodilo ignoram a rica tapeçaria cultural da qual o texto bíblico surgiu.
Sugestão de leitura complementar
- Mark S. Smith – The Origins of Biblical Monotheism
- John Day – God’s Conflict with the Dragon and the Sea
- Tikva Frymer-Kensky – In the Wake of the Goddesses