Serafins na Bíblia Hebraica

A principal referência bíblica aos serafins está no livro de Isaías:
“No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés e com duas voavam.” (Isaías 6:1-2)
Nesta visão, os serafins são descritos como seres de seis asas que louvam continuamente a santidade de Deus. Curiosamente, o termo hebraico “serafim” (שְׂרָפִים) deriva da raiz “saraf”, que significa “queimar” ou “arder”, sugerindo uma associação com fogo ou brilho intenso.
Além disso, em outras passagens bíblicas, a palavra “serafim” é utilizada para descrever serpentes venenosas. Por exemplo, em Números 21:6, Deus envia “serpentes ardentes” (נְחָשִׁים שְׂרָפִים) para punir os israelitas. Essa dualidade de significado levanta questões sobre a possível conexão entre os serafins celestiais e serpentes.
Achados Arqueológicos e Representações de Serafins
Escavações arqueológicas em Israel e regiões vizinhas revelaram artefatos que podem lançar luz sobre a representação dos serafins na antiguidade. Selos e amuletos datados do período do Primeiro Templo (cerca de 1000-586 a.C.) apresentam imagens de serpentes aladas, sugerindo que os serafins poderiam ter sido visualizados como tais criaturas. Essas representações são consistentes com a descrição bíblica de seres alados associados ao divino.
Além disso, influências culturais do antigo Oriente Próximo, como as figuras de querubins em templos mesopotâmicos e egípcios, podem ter contribuído para a concepção dos serafins na tradição israelita. Esses seres eram frequentemente retratados como guardiões alados de espaços sagrados, uma função que se alinha com a descrição dos serafins na visão de Isaías.

Serafins no Folclore Judaico-Israelita
No folclore judaico posterior, os serafins foram incorporados à hierarquia angelical, sendo considerados anjos de alto escalão que servem diretamente na presença de Deus. Eles são descritos como seres que ardem em amor divino, refletindo a etimologia de seu nome. Essa evolução na compreensão dos serafins demonstra a influência de tradições e interpretações teológicas ao longo do tempo.
O termo hebraico שְׂרָפִים (serafim)
A palavra שְׂרָפִים (serafim) vem da raiz שָׂרַף (saraf), que significa queimar ou incendiar. Em outros textos bíblicos, o termo שָׂרָף (saraf) é usado para se referir a serpentes venenosas (serpentes ardentes, como em Números 21:6,8 e Deuteronômio 8:15). Isso sugere que os serafins podem estar ligados à iconografia de serpentes aladas, um conceito comum no Oriente Próximo Antigo.
Os serafins na iconografia do Primeiro Templo
A arte e os textos da época indicam que os hebreus influenciaram-se por conceitos mesopotâmicos e egípcios. Entre os achados que podem se relacionar aos serafins estão:
- Serpentes Aladas: Selos e amuletos do período do Primeiro Templo mostram figuras de serpentes com asas, associadas a divindades e proteção espiritual.
- Querubins no Templo: Em 1 Reis 6:23-28, são descritos querubins cobrindo a Arca da Aliança. Diferente dos serafins, os querubins parecem ter forma híbrida (como leões, touros ou esfinges aladas). No entanto, a ideia de seres alados guardando o trono divino pode estar conectada.
Os serafins em Isaías 6 e o contexto do Primeiro Templo
O capítulo 6 de Isaías apresenta os serafins pairando sobre o trono de YHWH. Essa descrição lembra representações do Oriente Próximo, onde divindades eram frequentemente acompanhadas por figuras aladas. A ideia de seres com seis asas pode ter sido uma adaptação do conceito de criaturas protetoras encontradas na Mesopotâmia e no Egito.
- Egito: O deus solar Rá era frequentemente associado a cobras aladas (uraeus). O uso de serpentes como guardiãs divinas era comum.
- Mesopotâmia: Os Apkallu (sábios semidivinos) eram retratados como seres alados em relevo nos palácios assírios.
Isso sugere que os serafins poderiam ser uma adaptação hebraica dessas figuras, transformadas em servos do Deus de Israel.
Os serafins eram anjos?
O texto não chama os serafins de “anjos” (מַלְאָכִים, malachim), mas apenas de “seres ardentes”. Isso levanta a questão: os serafins eram uma classe distinta de seres espirituais ou foram posteriormente interpretados como anjos?
Na tradição posterior, especialmente no período pós-exílico e no judaísmo rabínico, os serafins passaram a ser considerados uma hierarquia angélica elevada. Isso provavelmente foi influenciado pela angelologia persa (zoroastrismo), que introduziu uma estrutura celestial organizada.
- O conceito de serafins como “anjos elevados” surgiu mais tarde, possivelmente sob influência persa.
- Os serafins parecem ter origem em figuras de serpentes aladas, que eram comuns no Egito e na Mesopotâmia.
- No Primeiro Templo, seres alados já faziam parte da iconografia sagrada, como os querubins sobre a Arca.
A descrição de Isaías pode ser uma visão profética reinterpretando tradições anteriores.
Cobras Aladas no Antigo Israel
Achados arqueológicos indicam que serpentes aladas eram figuras simbólicas importantes no antigo Israel e em culturas vizinhas. Algumas evidências:
- Bronze de Timna (séc. XIII-XII a.C.):
- Um pequeno cetro de cobre em forma de cobra foi encontrado no santuário de Timna, associado ao culto de YHWH (possivelmente influenciado pela adoração egípcia a Hátor).
- Isso pode se relacionar ao saraf de Números 21:6-9, onde Moisés ergue uma serpente de bronze para curar o povo.
- Amuletos e selos hebraicos (séc. VIII-VI a.C.):
- Escavações em locais como Arad e Lachish revelaram representações de serpentes, algumas das quais podem ter tido um significado religioso.
- Em Lachish, foram encontradas peças que mostram serpentes com asas, o que pode estar relacionado aos serafins.
Serpentes Aladas na Cultura Egípcia
Os israelitas tiveram contato com o Egito, e muitos de seus conceitos religiosos podem ter sido influenciados pela iconografia egípcia:
- O Uraeus (serpente real):
- Uma serpente alada era usada para representar proteção divina e poder real.
- O faraó muitas vezes era retratado com um uraeus na testa, representando a deusa Wadjet, que protegia os reis.
- Os Seres Alados nas Tumbas:
- Algumas tumbas egípcias mostram cobras aladas com múltiplas cabeças, usadas para simbolizar proteção e poder divino.
É possível que Isaías tenha reinterpretado esse simbolismo ao descrever os serafins pairando sobre o trono de YHWH.
Querubins e Criaturas Aladas no Primeiro Templo
Embora serafins e querubins sejam diferentes na Bíblia, os querubins do templo de Salomão nos fornecem evidências de criaturas aladas associadas à presença divina:
- 1 Reis 6:23-28 descreve querubins de madeira folheada a ouro no Santo dos Santos.
- Querubins aparecem em relevos assírios e babilônicos como figuras híbridas (touro, leão, águia, humano), indicando que os israelitas adaptaram conceitos existentes.
- O Trono de Deus descrito por Ezequiel (Ez 1 e 10) tem seres de múltiplas faces e asas, que podem estar conectados à iconografia dos serafins de Isaías 6.

Exemplos de representações dos Querubins no oriente proximo.
4. As Figuras de Serpentes Aladas nos Selos Reais Judaicos
Algumas inscrições hebraicas do período do Primeiro Templo (séc. VIII-VI a.C.) mostram imagens de criaturas aladas:
- Selo de Hezekiah (Ezequias, rei de Judá, 716-687 a.C.):
- O selo real de Ezequias encontrado em escavações de Jerusalém mostra uma figura de sol alado com cobras, similar à iconografia egípcia e assíria.
- Isso pode indicar que conceitos de proteção divina com seres alados faziam parte da crença real de Judá.
Como Eram os Serafins?
A partir das evidências arqueológicas e comparações culturais, podemos propor que os serafins de Isaías não eram anjos no sentido moderno, mas provavelmente tinham uma iconografia próxima a serpentes aladas. Algumas possibilidades baseadas nas descobertas:
- Eles podem ter sido originalmente concebidos como serpentes de fogo (saraf), ligadas ao poder divino e à purificação.
- Eles podem ter sido inspirados nas serpentes aladas egípcias e nos símbolos de proteção do Antigo Oriente Próximo.
- Sua aparência se assemelharia a criaturas híbridas, como os querubins, com asas e funções litúrgicas no Templo.
Conclusão
A figura dos serafins é um exemplo fascinante de como textos sagrados, descobertas arqueológicas e tradições folclóricas se entrelaçam para formar a compreensão de conceitos religiosos. Desde suas origens bíblicas como seres alados associados ao fogo e, possivelmente, a serpentes, até sua representação como anjos exaltados no folclore judaico, os serafins refletem a rica tapeçaria cultural e espiritual do antigo Israel.